Papai Perdoa


Recentemente – em meio às minhas leituras habituais – me deparei com um texto provocante, que me golpeou o abdômen, com a força de um cálculo renal. Trata-se de “Papai perdoa”, um texto criado por W. Livingston Larned, publicado pela primeira vez em 1927, no periódico People’s Home Journal.

No texto, um pai expeliu a dor da sua consciência, através de um depoimento doce, sincero e recheado de sentimentos.

Nós – pais e mães – sabemos da dificuldade e, sobretudo, responsabilidade de criar nossos filhos e filhas. Não é fácil, e a correria da vida adulta não ajuda. Às vezes, direta ou indiretamente, descontamos nossas preocupações e ansiedades em nossos filhos. Isso é natural, somos seres humanos. No entanto, conseguimos melhorar esses comportamentos através da racionalidade e pela aquisição de bons hábitos.

Precisamos desacelerar, fazendo-nos presentes na vida de nossos filhos. Devemos tentar entender seus pontos de vista, criando valores e memórias afetivas. Assim, seremos capazes de aproveitar o milagroso tempo da vida para amá-los e ampará-los, afinal, amar é servir.

[Deixo o texto aqui abaixo, e recomendo fortemente os 2 minutos de leitura].


Papai Perdoa

Escute, meu filho: estou falando enquanto você dorme, com sua mãozinha escondida debaixo do rosto, os cachinhos louros grudados na testa úmida. Entrei no seu quarto sozinho e sem fazer barulho. Minutos atrás, enquanto lia o jornal na biblioteca, fui tomado por uma sufocante onda de remorso. Sentindo-me culpado, vim até a cabeceira da sua cama.

Andei pensando em algumas coisas, meu filho: fiquei zangado com você. Repreendi você enquanto se vestia para a escola porque mal enxugou o rosto com a toalha. Chamei sua atenção por não ter limpado os sapatos. Reclamei com raiva quando você jogou suas coisas no chão.

Também me irritei no café da manhã, você derramou a bebida enquanto engoliu a comida. Pôs os cotovelos na mesa. Passou manteiga demais no pão. Foi lá fora brincar e, quando saí para o trabalho, você virou para mim, acenou e disse: “Tchau, papai!” Eu franzi a testa e respondi: Endireite os ombros!

De noitinha, tudo recomeçou. Quando cheguei perto de casa, vi você de joelhos no chão, jogando bolinhas de gude. As meias estavam furadas. Eu o humilhei diante dos seus amigos e o fiz voltar para casa. Meias são caras, e você teria mais cuidado se tivesse de comprá-las com o próprio dinheiro! Meu filho, imagine isso vindo de um pai!

Você lembra quando, mais tarde, eu estava lendo na biblioteca e você entrou timidamente, com uma carinha triste? Irritado pela interrupção, ergui os olhos do jornal, e você hesitou à porta.

– O que você quer? – perguntei, resmungando.

Você não disse nada, apenas saiu correndo, abraçou meu pescoço e me beijou. Seus bracinhos me apertaram com uma afeição que Deus fez desabrochar em seu coração e que nem minha negligência foi capaz de fazer murchar. Em seguida, você saiu e subiu correndo a escada.

Pois bem, filho: pouco depois, o jornal escorregou das minhas mãos e um medo terrível, nauseante, tomou conta de mim. O que o hábito tem feito comigo? O hábito de encontrar defeitos, de repreender – era assim que eu vinha recompensando você por ser um menino. O problema não era falta de amor; era que eu esperava demais da infância. Eu o avaliava segundo os padrões da minha idade.

E havia muita coisa boa, bela e verdadeira em seu caráter. Seu coraçãozinho era tão lindo quanto o amanhecer entre as colinas. Percebi isso pelo seu gesto espontâneo de correr para me dar um beijo de boa noite. Nada mais importa esta noite, filho. Eu vim até sua cabeceira na escuridão e me ajoelhei, envergonhado!

Meu gesto não passa de uma autopunição insignificante. Sei que você não compreenderia essas coisas se me ouvisse enquanto estivesse acordado. Mas amanhã serei um papai de verdade! Serei seu companheiro, sofrerei com seu sofrimento, rirei com seu riso. Vou me refrear quando quiser demonstrar impaciência. Repetirei sem parar, como num ritual: “Ele é apenas um menino… um menininho!”

Infelizmente, eu estava enxergando você como um homem. Porém, ao observá-lo neste momento, meu filho, encolhido e exausto em sua cama, vejo que ainda é um bebê. Ontem mesmo estava nos brações de sua mãe com a cabeça apoiada no ombro dela. Eu exigi demais de você, demais.

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